sábado, 2 de abril de 2011

Uma história bonita do cangaço

Filho procura mãe raptada por cangaceiro de Lampião

Publicado por Redação  Arquivado em Destaque, Nacional
Lampiáo e seu bando
Lampiáo e seu bando

Uma decisão tomada em 1939 por um cangaceiro no interior da Bahia reflete ainda hoje na vida de uma família de Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Aos 75 anos, José Grigório de Jesus procura pela mãe que foi raptada por Angelo Roque, o Labareda, um dos chefes do bando de Lampião. Entre as muitas ações nos últimos 40 anos para ter notícias da mãe, ele gravou depoimentos na internet, colocou anúncios em jornais, participou de programas de TV e rádios, visitou asilos, conversou com estudiosos do cangaço e cangaceiros e se prepara para uma viagem ao Nordeste em busca de pistas da mãe, que se estiver viva tem cerca de 90 anos.
Durante essas quatro décadas de buscas, José Grigório acabou encontrando uma tia e uma irmã, filha de sua mãe com o cangaceiro. Mas isso não é suficiente. “O que quero mesmo é encontrar a minha mãe, ou pelo menos saber onde ela foi enterrada. Ninguém desaparece da terra dessa maneira”, diz o idoso que chora enquanto conta a sua história. “Isso ainda me dói muito”, justifica ele, que é líder comunitário no Capão Redondo e dedica todo o tempo para melhorar a vida da comunidade local.
A baiana Ana Senhora de Jesus era dona de casa, mãe de quatro filhos e morava em um sítio em uma cidade que é chamada atualmente de Coronel João de Sá.
José Grigório tinha três anos e era o segundo da prole quando o cangaceiro Angelo Roque chegou com seu bando numa tarde na propriedade da família, que tinha bom poder aquisitivo. “Meus parentes sempre contaram que ele estava armado e perguntou ao meu pai se ela era mulher dele.”
Diante da resposta positiva, Labareda teria dito que ela não era mais mulher dele a partir daquele momento. Ana, segundo o marido e os parentes, foi autorizada a pegar algumas roupas, foi colocada num cavalo e nunca mais ninguém da família teve nenhuma notícia dela.
Aos 13 anos, Grigório deixou a Bahia para nunca mais voltar e se mudou para São Paulo. Foi metalúrgico, líder sindical e acabou preso em algumas greves na época da repressão política.
Tinha vergonha de contar o passado da mãe e dizia para todo mundo que ela havia morrido. Não contou nem mesmo para a sua mulher Maria, com quem se casou em 1963. Mas, na década de 1970, quando ela assistia a um programa popular de TV viu uma mulher que procurava pelos filhos e citava o nome de José Grigório. Como ela era muito parecida com a sua cunhada, Maria pressionou o marido até ele confessar a verdade. “Foi só aí que ele admitiu que a mãe tinha sido raptada”, conta Maria que se tornou aliada na busca pela sogra.
O casal chegou a ir até a emissora de TV, mas não conseguiu contato com a mulher. A partir daí, as buscas por Ana Senhora nunca mais pararam. Algum tempo depois, José Grigório colocou anúncio em um jornal em busca da mãe. Um leitor disse que ela vivia em Itaquera, na zona leste. Maria fez várias buscas na região. “Também procurei em asilos por toda a cidade”, conta a mulher.
O idoso gravou depoimentos na TV Orkut. “A história dele sensibilizou muito os ouvintes”, lembrou o apresentador Nilo March, que fez uma campanha durante três meses à procura de Ana Senhora. Receberam uma informação que ela estaria vivendo em Santo Amaro, na zona sul, mas não foi possível confirmar.
Outros filhos e parentes
Dos quatro filhos de Ana Senhora de Jesus, só restam três. A mais velha, Joana, morreu há 17 anos. A caçula Maria José da Silva, de 73, compartilha do sonho do irmão em saber o paradeiro da mãe. Quando Ana foi levada, ela tinha 1 ano e 5 meses e estava nos braços dela. “Fui criada pelos padrinhos e só com 11 anos soube da verdade. Fiquei muito triste”, recorda.
O outro filho de Ana, José André dos Santos, de 74 anos, não tem vontade de rever a mãe nem de saber notícias. “Ela podia ter voltado.” Anita, filha de Ana e Angelo Roque, também disse aos irmãos ter mágoa da mãe por ter sido abandonada ainda bebê.
Angelo Roque raptou Ana Senhora em 1939, mas em 1940 ele se entregou à polícia. Solto, foi segurança no IML da Bahia e morreu no início da década de 1970.  Quando Ana foi levada, sua irmã Maria Senhora de Jesus nem tinha nascido. “Toda a minha família procurou muito por ela”. Os irmãos chegaram a ir a outros estados em busca de notícias. “Nunca conseguimos nada. Nossa mãe morreu há uns 30 anos falando dessa filha raptada.”
Aos 67 anos, Maria sonha em encontrar ou ter notícias da irmã. “Pelo menos a gente resolveria esse assunto.” Dos sete irmãos, além de Ana, só ela e a irmã mais velha estão vivas. “Uma das maiores alegrias da minha vida foi ter reencontrado meus sobrinhos filhos da Ana.”
Mulheres no cangaço
As mulheres passaram a integrar os bandos de cangaceiros só nos últimos anos do cangaço. A presença delas começou com Maria Bonita que se tornou companheira de Lampião em 1931. Moacir Assunção, estudioso do cangaço e professor da Universidade São Judas, explica que a maioria das mulheres entrava para os bandos de maneira voluntária, mas algumas eram raptadas, como Dadá, mulher de Corisco, que depois se apaixonou por ele. “Muitas, na falta de expectativa em que viviam, seguiam os cangaceiros na esperança de uma vida melhor, com mais conforto”.
Antonio Amaury Correa de Araújo, estudioso do assunto e com 14 livros sobre o cangaço, conhece um pouco a história de Ana Senhora de Jesus. “Quando Labareda se entregou à polícia, ela o acompanhou e aparece nas fotos ao lado dele.” Ele conta que a família de Ana era coiteira -oferecia algum tipo de ajuda aos cangaceiros, que ia desde oferecer alimento até a conivência dos grandes latifundiários.
A historiadora Ana Paula Saraiva de Freitas, autora de uma tese sobre a presença feminina no cangaço, conta que as mulheres, depois que integravam os bandos, não tinham como sair. “Ou sofriam retaliações do próprio grupo ou da sociedade que também as via como bandidas.”
Jornal da Tarde

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